segunda-feira, 13 de abril de 2015

A Dor de Viver


Como todo bom melancólico (se você não sabe do que eu estou falando, veja aqui), eu também tenho meus momentos de retorno ao passado e revivo alguns sofrimentos. Mas meus anos de TSKF me ajudaram a ver as coisas de um jeito um pouco incomum para um "Azul" (viu o link que coloquei acima?)

Quando eu era uma criança de 11 anos aproximadamente, eu comecei a sentir dores estranhas e fortes na minha tíbia direita (a canela, para os íntimos). Não era uma dor muscular, não era mau jeito, era uma dor que só aparecia quando eu estava bastante cansado (se brincava muito na rua na minha época e eu não sei se era permitido um cara de 11 anos brincar, ou se já era muito velho para isso).

Minha mãe achava que era "dor de crescimento" e fomos levando. E de fato eu cresci (mas não muito), mas a dor continuava, assim como as minhas reclamações.

Passamos a usar soluções caseiras, como enfaixar o local com gelol na hora de dormir. Não deu muito certo pois eu sempre acordava sem a faixa (eu me remexo mexo muito dormindo). Mudamos para uma faixa com mamona assassina amassada (coisas da família Cocenzo). Não apenas continuei acordando sem a faixa, como a dor continuou igual e agora o lençol ficava sujo de mamona amassada.

Como as receitas familiares acabaram, finalmente minha mãe resolveu me levar no médico. Primeiro diagnóstico: "dor de crescimento". Minha vontade era dar uma voadora na cara do médico, mas me lembrei que isso provavelmente aumentaria a minha dor e resolvi me conter. Voltamos no mesmo médico algumas semanas depois e ai sim ele resolveu tirar uma radiografia (e você aí dizendo que Saúde antigamente era melhor...).

Quando voltamos ao consultório com a radiografia o médico ficou olhando para o resultado da mesma maneira que uma criança olha para um brinquedo que ela desmontou, montou de novo, está funcionando bem mas sobraram duas peças para fora que ela não viu...Minha mãe começou a ficar se remexendo (mal de família) do meu lado...

Aí o médico saiu, voltou com mais um colega e ficaram olhando para a radiografia e para mim. De um para outro. Quando chegou o terceiro médico comecei a reconsiderar a idéia da voadora...Mas os três saíram e o médico que estava com meu caso voltou com um ar grave e se dirigiu à minha mãe:

"Mãe, precisaremos fazer mais alguns testes com ele. Aqui ó (ele mostrou uma área da minha canela), tem uma formação estranha que precisamos descobrir o que é logo."

"Mas o que pode ser isso?" perguntou a Dona Conceição.

"Bem, podem ser várias coisas: pode ser uma inflamação óssea e por isso ele sente dor. Podem ser várias coisas, inclusive um tumor..."

Minha mãe já é clarinha, a mulher ficou da cor FFFFFF (Branco). Eu não entendi nada. Nunca tinha ouvido falar sobre tumor. A coisa mais grave que eu já havia visto era diabetes, que levou meu avô materno uns anos antes. Não era possível existir algo mais grave que isso.

E o quê você acha que eu tinha na perna? Óbvio que era um tumor. Restava saber se era benigno ou maligno. O médico foi bem duro e direto com a gente dessa vez:

"Se for benigno a gente vai tratar com infiltração e a chance de ficar tudo bem é alta. Se for maligno a gente vai ter que amputar a perna do joelho para baixo".

Bem, eu sou moreno, mas é certo que foi minha vez de ficar branco. Como assim, amputar a perna? Eu não sabia direito o que era "tumor", mas "amputar" eu sabia, eu ia bem em Português.

Minha mãe foi a melhor:

"Mas vai cortar o joelho também ou o joelho fica?"

Com um muxoxo eu não deixei o médico responder: "Mãe, faz diferença?"

Uns dias depois eu fiz os testes e, uns dias depois, veio o resultado. Eu sou um cara impaciente e tenho trabalhado bastante nisso ao longo dos anos. Imagine como eu era impaciente aos 12 anos e sem vontade de trabalhar nisso. Foi uma das semanas mais difíceis da minha vida, onde realmente eu senti o que era a dor de viver.

O resultado do teste foi que o tumor era benigno e poderia ser curado com a infiltração. Em casa, respiramos aliviados minha mãe e eu. Meu irmão era muito novo para se envolver nisso e meu pai estava lidando com os próprios problemas gerados pelo alcoolismo que ele estava batalhando para se livrar.

Rapidamente iniciamos o tratamento de infiltração. Basicamente, e pelo que me lembro, era uma injeção com uma agulha mais grossa que o normal que colocaria uma substância no local do tumor que faria com que ele se "dissolvesse" e a regeneração natural do meu corpo cuidaria do resto (#momentowolverine). Como eu era novo ainda, entenderam que seria melhor eu tomar uma anestesia geral para o procedimento.

Quem já tomou uma dessas sabe como é gostoso você acordar e não saber absolutamente nada do que aconteceu, com o bônus da ânsia de vômito, tontura e bexiga cheia e desfuncional (tá tudo adormecido, neh?). Imagine que você tomou um porre (ou não, se você já tomou). Aqueles homéricos e foi lá conversar com o vaso sanitário. Pensou no quadro? Pois é, para mim foi dez vezes pior...

O problema é que a infiltração não funcionou. Novo susto, pois pensamos (médico, mãe e eu) que o diagnóstico de benigno fora feito errado. Mas estava correto, então tentamos a infiltração de novo, por mais duas vezes sem sucesso.

Foi então que minha mãe teve um lampejo de criatividade e resolvemos pegar todos os cacarecos do problema e levamos em outro médico. O outro médico olhou para aquela tralha toda, olhou para mim, olhou para minha mãe e largou o verbo:

"Mãe a gente tem três caminhos. Primeiro, continue com a infiltração. Pode funcionar, mas vai levar mais tempo. Dois não faça nada. Com o tempo e a atividade natural do Danillo ele vai quebrar a perna no local e o tumor vai sair naturalmente e o corpo vai se regenerar sem o tumor (#momentowolverine). Três, e é o que eu faria: cirurgia. A gente abre o local, tira o tumor. Depois abre a bacia dele, tira uma parte do osso e coloca essa parte no buraco onde estava o tumor. O corpo dele vai absorver este osso "novo" e depois segue seu curso normal de crescimento. O osso que a gente vai tirar da bacia cresce de novo, sem efeitos colaterais".

"Só que tem um detalhe: até o osso 'colar' na perna vai levar um tempo, então ele vai precisar ficar com o gesso na perna entre seis meses e um ano".

Eu tenho uma mãe melancólica (não viu aquele link?) logo, o que você acha que ela escolheu fazer? Dor e sofrimento, baby...Brincadeira, ela fez o que era certo.

Eu fiquei 13 meses com o gesso, entre os 13 e os 14 anos. Demorou um pouco mais do que o esperado (adeus #momentowolverine).

Foi um ano do cão. Não podia brincar, eu não tinha videogame, não tinha internet. Eu era o primeiro a chegar na escola com uma cadeira de rodas emprestada (não podia sequer colocar o pé no chão) e o último a sair, como se não bastasse ser um ET de perna branca e imóvel. Uns meses depois eu deixei a cadeira de rodas e passei a usar muletas. Foi quando o bullying começou e eu virei o "aleijado" da escola.

Meses depois uma muleta saiu e eu usava apenas uma. Fazer bullying comigo já não era tão divertido, especialmente quando eu arremessava a muleta contra a pessoa. Claro, alguém poderia roubar a muleta e me sacanear, mas quem roubaria um "aleijado", não é?

Algum tempo depois eu já ficava sem a muleta, mas tinha que ficar com o gesso, que ganhou um tipo de salto. Assim eu poderia andar novamente (yay!), mas tinha que fazer um certo malabarismo com o pé: pisava, virava ele para o lado externo e depois dava o passo com a outra perna. Obviamente eu mancava para cacete e todos na escola e na rua foram muito carinhosos comigo, e recebi o apelido de "mula manca". Bem, eu mancava mesmo, devia ser engraçado ver isso de fora...Foi nessa época que minha miopia e meus óculos chegaram e eu me posicionei com um apelido muito à frente do meu tempo: eu era agora o "mula manca 3D".

Mas 13 meses depois eu estava livre do gesso! Minha formação óssea da canela estava recuperada e minha bacia estava com tudo ok!

Tive alta e meu problema foi quase todo dado por encerrado. O médico apenas recomendou algumas sessões de fisioterapia para recuperar a movimentação normal da perna, que minha mãe achou uma bobeira sem tamanho porque eu era bastante agitado e não costumava ficar parado. Eu mesmo cuidaria de mim para fazer tudo voltar ao normal (#momentowolverine de novo). Assim, minha mãe dispensou a fisioterapia e deu por encerrado o assunto.

Aí eu aprendi uma palavra nova: sequoia sequela. (adeus de novo #momentowolverine)

Eu continuei mancado por mais dois anos e até hoje eu ainda manco levemente do lado direito, quando estou bastante cansado.O alongamento das duas pernas tem uma diferença que é perceptível para um olhar treinado e a articulação do tornozelo só fecha até um certo ângulo quando vc faz o Cavalo. Minha forma natural de andar é com o pé esquerdo apontado para frente e o pé direito pra a diagonal. Eu não faço a postura do Gato errado nem por decreto...

No final de 2013 eu me peguei pensando sobre este capítulo da minha vida e eu não gostava muito deste final: curado, com sequelas mínimas, a vida seguiu em frente, tudo ok. Me pareceu que não agregava muito valor para o futuro. Um capítulo triste, mesmo que narrado com bom humor, que apenas ressaltava uma certa dor de viver. E eu não acredito nisso. É certo que teremos tristezas na vida, mas viver é uma dádiva e não deveria ser uma dor, uma angústia constante em cada dia, como foram os meus dias com tumor. Viver é mais, mas como encerrar uma história com essa mensagem?

Decidi fazer algo diferente, que foi correr a Volta da Pampulha. A tradicional corrida belo horizontina aconteceu em dezembro e não deu tempo de me preparar para fazê-la. Decidi então fazer a prova de 2014. Em janeiro comecei a treinar.

Não tenho preparo e treinamento em atletismo. O máximo que tive foram as dicas e a experiência do meu pai (o alcóolatra que falei mais acima), que deixou o vício de lado e resolveu correr maratonas. Hoje ele coleciona 69 maratonas em seu currículo (e segue contando). Nada mau para quem tinha pança de chope uns anos atrás...

Comecei correndo 30 minutos aos domingos. Depois disso passei a subir 2 minutos a cada domingo. Foram 32, depois 34 e assim foi até chegar em uma hora e meia. Alguns alunos me acompanharam ao longo deste período, mas eu sabia que em dezembro, provavelmente, eu correria sozinho a prova. Por quê? O desafio era meu, não deles. Qualquer um poderia me acompanhar sempre que quisesse, naturalmente.

E assim a coisa caminhou em todos os domingos que estive em BH, ao longo de 2014. Mas havia ainda mais uma surpresa para essa história, reservada para dezembro.

Em novembro veio a divulgação do Campeonato Inter Estados de Kung Fu, realizado em São Paulo. Adivinha em que dia ele seria realizado?

Pois é. No dia da Volta da Pampulha.

A solução seria menos glamourosa, mas eficiente: eu iria para o campeonato, já que o Time de Competição da TSKF Barro Preto iria participar e eu, como treinador deste Time, tinha o dever de estar lá para meus alunos.

E quanto à corrida? Simples: eu a faria na semana seguinte. A Pampulha não ia sair do lugar e sempre é possível dar a volta nela, não é mesmo? Não teria cronometragem, posto de água, carro de som e nem pompa e circunstância típicas das provas clássicas. Mas não era isso que eu queria buscar.

Assim fui para São Paulo com o Time. Tivemos um bom evento e eu me preparei para a mais solitária de todas as Voltas da Pampulha (#momentodrama).


No domingo seguinte, estava na beira da lagoa as 07h30 e comecei meu desafio particular. Usei um app no meu celular que usava o GPS para mapear o trajeto e tudo mais, mas acho que ele estava descalibrado. A Volta da Pampulha tem um percurso de 18km, mas o app marcou 21km. Mas o tempo foi este mesmo (verde significa que eu ia em um ritmo mais veloz, vermelho é um trecho mais lento). Sei que não foi o melhor dos tempos, mas não achei mal para alguém que não treina corrida e só praticava aos domingos pela manhã.


Por quê era tão importante eu correr esta corrida no final do ano passado? Bem, primeiro e menos importante: eu disse que ia correr. Eu aprendi com o Mestre Gabriel que, se você disser que vai fazer algo, é melhor fazer. Caso contrário sua palavra perderá valor e a palavra tem muito valor no meio em que atuamos.

Mas o que era importante para mim nesta corrida realmente era poder colocar um bom final na minha saga com a canela direita. O que nos leva de volta ao título do post, "A Dor de Viver".

Eu poderia estar em uma cadeira de rodas hoje. Poderia estar vivendo eternamente com uma muleta, aposentado por invalidez. Poderia estar usando uma prótese e não sei se ela seria capaz de me deixar fazer o que faço hoje.

Por alguma Vontade Divina (para os que acreditam) ou por alguma probabilidade biológica favorável (aos que não acreditam em vontades divinas) meu tumor era benigno. Quantas pessoas não gostariam de estar no meu lugar, com o mesmo diagnóstico?

Como eu poderia ser capaz de viver hoje, acreditando que a vida era sofrimento e que há uma "dor em viver" se eu tenho o poder de me levantar, caminhar, correr, pedalar, saltar, praticar o Kung Fu, ensinar o Kung Fu e tantas outras coisas maravilhosas? Eu não tenho esse direito. Eu tenho um dever: de viver a vida que me foi dada com Alegria.

É claro que vou me frustrar, ficar triste, bravo e tantos outros sentimentos que todos nós temos.

Mas acima de tudo eu não posso deixar de sentir Alegria por estar onde estou, pois é uma forma de valorizar o que superei e a graça que me foi dada.

E ISSO é um bom fim para esta história. =)

E você? Como foi a sua história até chegar na TSKF? Quais desafios você superou para hoje poder fazer o Kung Fu? Mande um email par relacionamento@tskf.com.br contando a sua história. Ela poderá aparecer aqui no blog, para inspirar pessoas como você a ter uma vida com mais Saúde e Bem Estar,



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