sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A suprema virtude dos deuses


Querer fazer uma aula experimental na TSKF foi muito fácil. Decidir iniciar essa caminhada foi muito difícil. Dar cada passo é um desafio. Fazer parte dessa família é uma enorme alegria. 

Nos primeiros treinos, você já percebe que há muito a aprender e que você poderá aprender tudo se fizer sua parte. Com o tempo você descobre que pode fazer muitas coisas que só fazia nos seus sonhos e, mais que um artista marcial, você pode se tornar uma pessoa melhor. Porém percebe também que o aprendizado não virá como uma lição no quadro negro que você copia e depois repete. Você vai ouvir e tentar, vai cair e se levantar, não vai entender nada até parar para pensar, vai se ausentar e voltar. Mas, de alguma forma, irá aprender alguma coisa muito boa. 

Às vésperas do Campeonato Inter-Estados 2015, durante o aquecimento do treino de Kung Fu – fazendo o clássico “mão direita no pé esquerdo” – a minha mão direita não entendeu corretamente a mensagem e confundiu fortemente o tatame com o meu pé esquerdo. Esse encontro “casual” resultou em um dedo com uma leve fratura e um tendão machucado. Disso veio um puxão de orelha da mãe e do Shifu, uma visita ao pronto-socorro, radiografias, uma tala, muitas lágrimas e o cancelamento das minhas inscrições do campeonato. 

Até o campeonato passar foi muito difícil encarar com resignação o que havia acontecido, mesmo aceitando que por algum bom motivo era preciso passar por isso. Depois do campeonato foi o momento de encarar todo o tempo de treino que tinha sido, e ainda seria, perdido. Isso foi tremendamente duro de enfrentar e, ainda por cima, tentar ser forte sem que ninguém percebesse o tamanho esforço para aguentar não poder treinar por muito tempo.  

Duas semanas depois da confusão da mão direita era hora de voltar ao médico. Ah, aquela ansiedade tola de que na semana seguinte seria “que o tatame me aguarde”. Tudo por água abaixo quando a radiografia ainda acusava a fratura e os médicos nem se dignaram a olhar para o meu dedo. Dois dias sem tala, dedo inchado, uma pulga atrás da orelha e de volta ao pronto-socorro. Um novo médico, especialista e humano, olha o dedo, olha a radiografia, conta da fratura, conta do tendão machucado que ainda não existia, coloca outra tala e diz “sem kung fu”. Nesse momento, uma única frase que se repetiu incessantemente na minha cabeça ao longo daquele dia conteve toda a frustração: “a paciência é a suprema virtude dos deuses que não tem nada além de tempo”.  

Então eu percebi o quanto eu tinha aprendido na TSKF. Não só no Kung Fu e no Tai Chi, mas na minha vida. Todos os dias que ia treinar eu lia essa frase no vestiário, mesmo quando não ia fazer exame, e sempre refletia sobre o que exatamente ela queria dizer, pois não fazia sentido ser somente sobre o exame, tinha algo mais. E naquele dia eu entendi esse algo mais.  

Parece uma coisa boba e nada a ver com a TSKF, mas vi o quanto as lições aprendidas através do meu Shifu e dos meus instrutores e também da convivência com meus colegas de treino se entrelaçaram na minha vida. Essas lições vão muito além do tatame: estão no nosso Kung Fu, no nosso Tai Chi, nas nossas atitudes, nas nossas escolhas, na nossa humanidade. 

Apesar dos treinos perdidos, da letra horrível nas provas, as coisas que não pude fazer por causa do dedo dodói, eu pude descansar, estudar mais para as provas, ficar mais com mamãe, aprender coisas que há muito queria. Enfim, todas aquelas lágrimas derramadas no consultório médico foram transformadas em crescimento e bons momentos. E também muita resistência! 

Aprendi o que era hora deu aprender, melhorei minha paciência e descobri que às vezes quando você não consegue nadar contra a correnteza, você deve simplesmente deixá-la te guiar porque pode ser que ela saiba melhor do que você qual o melhor caminho a seguir. 

Sei que muitas pessoas enfrentaram desafios maiores, passaram por situações muito mais difíceis, outras aprenderam coisas mais importantes. Entretanto, essa é a minha experiência, o que eu vivi e o que eu aprendi. E eu quero compartilhar com quem quer que corra os olhos por essas linhas, pois as coisas que precisamos aprender podem vir de grandes desastres, mas também das situações mais simples como uma mão direita no pé esquerdo.  

Pâmella Miranda




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