Como um dos últimos alunos que fazia a Aula de Combate na TSKF, muitos podem imaginar que sou partidário de que nossa escola deveria ensinar luta, como um complemento dos treinos que já fazemos.
Pois é. Não sou. Muito pelo contrário, apesar de achar a prática de luta válida, não acho que ela sirva para a proposta de trabalho da TSKF.
Isso se deve por 3 razões simples.
1- Optamos por um Kung Fu inclusivo
Em nossa escola, ensinamos para crianças a partir dos 05 anos de idade e crianças de até 80 anos de idade. Independente do momento de vida de cada indivíduo, nosso Kung Fu pode e deve ser adaptado á realidade de cada pessoa e permitir que ela extraia os benefícios da prática de nossa Arte, focados na Saúde e Bem Estar do praticante.
Se houvesse o treino de lutas, isso já não aconteceria e a nossa capacidade de inclusão de pessoas no Kung Fu ganharia um limite não desejado.
"Mas poderia ser uma aula separada então", diria alguém. Isso nos leva ao item 2.
2- Ou faz direito, ou é melhor não fazer
Quando tínhamos Aula de Combate na Matriz, era uma aula separada das demais e só vinham os alunos interessados no assunto. No começo do semestre, tínhamos umas 20 pessoas na aula. A aula tinha uma aquecimento e uma ginástica bem reforçada. Na aula seguinte, um ou dois desistiam, ficávamos em 18, mais ou menos. Aí rolavam umas lutinhas, de leve, para a gente entender como mirar o golpe, fazer sequência, aplicar queda, essas coisas. Mesmo sendo "de leve", mais uns 2 não voltavam mais para a terceira aula.
Aí começavam as lutas "normais", que nem eram tão agressivas, pois estávamos entre pessoas conhecidas e que, geralmente, apreciavam umas às outras. Na aula seguinte voltava apenas metade.
Dois meses depois, tínhamos apenas dois alunos restantes.
Mudava o semestre, abriam vagas para a Aula de Combate de novo e o ciclo se repetia, sobrando uns dois no final novamente.
No começo, confesso que eu ficava indignado com as pessoas que desistiam. Elas haviam estabelecido um compromisso e simplesmente desrespeitavam este compromisso! Mas depois, com tempo e treino, fui percebendo que na verdade, elas estabeleciam prioridades.
Em um treino de luta, existe o risco da lesão. Fraturas de nariz, canela, braço, costela são coisas comuns que costumavam acontecer. O problema é que as pessoas estabeleciam o compromisso de fazer a aula de luta e não imaginavam que estes riscos estariam presentes. Assim, quando elas viam que o risco de lesão era real, e que isso poderia impactar significativamente seu dia a dia profissional/familiar, elas preferiam priorizar o que era mais importante para elas. Hoje em dia eu compreendo perfeitamente isso.
"Mas era só fazer as lutas indo mais leve, com uns 50% de força, não?"
Não. Luta é luta. Se você se esforça 50% do seu melhor em algo, vai colher apenas 50% de resultados. Isso não é aceitável no Kung Fu. (onde é?)
Fiquei me perguntando, durante algum tempo depois do encerramento definitivo das Aulas de Combate se esse fenômeno de desistência acontecia em outras escolas. Daí tive a idéia de fazer um levantamento no GOC e ver como foram as coisas ao longo das várias edições do nosso campeonato.
O que pude ver é que apenas uma pequena parte dos lutadores que estiveram em um ano no nosso evento, voltaram para competir no seguinte (menos de 5%). O primeiro pensamento seria de que o campeonato, em termos de lutas, diminuiu, mas veja que isso não é verdade, o evento continuava mais ou menos do mesmo tamanho, no mesmo formato, mas os lutadores também desistem de participar.
O que pude ver é que apenas uma pequena parte dos lutadores que estiveram em um ano no nosso evento, voltaram para competir no seguinte (menos de 5%). O primeiro pensamento seria de que o campeonato, em termos de lutas, diminuiu, mas veja que isso não é verdade, o evento continuava mais ou menos do mesmo tamanho, no mesmo formato, mas os lutadores também desistem de participar.
"Ah! Mas provavelmente eles desistem, mas continuam treinando na academia deles."
É possível. Pessoalmente, e é só uma opinião mesmo, eu acho que eles param de treinar.
3- Optamos por ajudar a Comunidade
A partir de 2008, passamos a realizar as arbitragens dentro do padrão da federação mundial na qual fazemos parte, a TWKSF. O Mestre Gabriel entendeu que isso seria muito interessante para o desenvolvimento das lutas dentro do Kung Fu brasileiro. E foi aí que nasceu o Time de Arbitragem da TSKF.
Seguindo um padrão de qualidade de nível internacional, nosso Time atua no nosso campeonato e também nos eventos organizados pela Liga Nacional de Kung Fu (e filiadas). Na verdade, gostaríamos de poder contribuir mais com organizações que tenham o interesse em realizar eventos de Kuoshu/Lei Tai dentro do padrão da TWKSF.
Aqui entra a grande sacada do nosso posicionamento: como não temos competidores de luta, nossa arbitragem é única no Brasil. A TSKF é a única escola que conta com árbitros 100% imparciais em suas avaliações e julgamentos.
Esta conjunção de fatores nos coloca numa posição perfeita para contribuir com o Kung Fu do Brasil. Optamos por abrir mão de certas coisas em busca de nosso objetivo maior, mas mesmo nesta renúncia, entendemos que podemos exercer um papel útil para nossa comunidade.
Conclusão
As coisas podem mudar no futuro? Se a Sabedoria do Mestre achar que sim, estaremos pronto para mudar. Mas não creio que isso vai acontecer. No papel de último lutador da TSKF, e se a decisão dependesse de mim, a resposta seria não. A coleção de vitórias que temos no desenvolvimento dos nossos alunos, com o nosso formato de trabalho atual, tem um peso muito maior do que qualquer vitória que possa ser atingida em cima do Lei Tai.
É claro que não desmereço as vitórias em cima do Lei Tai e, junto com o Time de Arbitragem, sob a liderança do Shifu Luiz Fabiano, queremos que a TSKF faça parte delas também.