sábado, 21 de janeiro de 2012

Aprendendo o Aprender




        Acho importante tratar hoje sobre um tema que todos deveriam saber muito bem. Como o ser humano aprende? Como funciona o mecanismo de armazenamento de dados de nosso cérebro? Você realmente nunca desaprende andar de bicicleta? Entenda a partir de agora como nosso corpo interpreta as instruções de nossos professores e como nós conseguimos reproduzir os movimentos mostrados por ele.
        O processo de aprendizagem inicia sempre com um estímulo sensorial. Começamos a perceber o mundo principalmente através da visão e audição. Vamos imaginar que dois alunos precisam aprender uma postura básica do Kung Fu, o “Cavalo”, por exemplo, e que estes alunos nunca tiveram acesso à arte marcial antes, e não faziam idéia do que se tratava da postura do cavalo. O primeiro passo é a utilização da visão.  O professor mostra como se faz o cavalo e pede para que o imitem. Depois de alguns segundos, ou até mesmo milésimos de segundos, eles executam um movimento semelhante ao que viram. Um deles muito bem executado, o outro apresentando muitas falhas. Uma semana depois ambos estão executando a postura sem falhas, mas com um desempenho ruim (muito alto e sem força muscular). Dois meses depois ambos melhoraram o desempenho e, agora já fazem a postura segundo um padrão ideal de movimento (P.I.M.), ou seja, assim como o professor mostrou na primeira aula.
        Qual o motivo da diferença pela qual um dos alunos demorou mais para executar a postura sem falhas graves? Por que mesmo assim os dois alcançaram o P.I.M.? Vamos entender:
Tudo começou na execução da postura pelo professor, onde os olhos dos alunos captaram a imagem. Neste momento os dois ativaram no sistema nervoso central um mecanismo chamado Mecanismo Perceptivo. A imagem vista pelos alunos automaticamente foi processada no cérebro e comparada a algum outro movimento já conhecidos por eles. As pessoas que tiveram uma infância onde foram muito bem estimuladas motoramente têm a chance de achar mais informações nesse momento, e executar com mais facilidade aquilo que viu (este pode ser o caso do primeiro aluno, que não apresentou muitos erros). Quando não achamos nenhum movimento onde podemos comparar com o que foi visto, dizemos que a pessoas não tem um Padrão de Referência Interno (P.R.I.) formado.
        Milésimos de segundos depois, nosso cérebro já ativa o segundo mecanismo, o Mecanismo Decisório. Como o nome diz, é quando decidimos o que fazer no plano motor, se imitamos algo que já havíamos feito no passado, ou se executamos um movimento totalmente novo para nós. Quase que ao mesmo tempo já ativamos o próximo mecanismo, o Mecanismo Efetor, que libera estímulos nervosos para o músculo que decidimos utilizar, a fim de executar o movimento.
        O próximo passo é responsabilidade do sistema muscular e de nossa capacidade física (força e flexibilidade). Depois de todo esse processamento de informações é hora da auto avaliação, ou da avaliação do professor. Onde são fornecidos feedback’s e dicas para o aluno melhorar sua execução. A cada dica fornecida, todo a processamento de informações é repetido, iniciando sempre pela captação dos órgãos sensoriais (nos olhos, se o professor mostrar a postura novamente, nos ouvidos, se o professor apenas deu uma dica verbal, ou em ambos).
        Depois das dicas e dos feedback’s, provavelmente o aluno executou o movimento muito parecido com o do professor, suas limitações são apenas força e flexibilidade, que são adquiridas com o tempo (por isso só depois de dois meses os alunos melhoraram seu desempenho). Será que o aluno realmente aprendeu a postura do cavalo? Seu P.R.I. está formado? Ainda não podemos ter certeza. É preciso fazer um Teste de Retenção, ou seja, ver se nas próximas aulas o aluno vai se lembrar de tudo que foi corrigido, ou se ainda precisará de muitas dicas e correções.
        Caso o aluno execute o movimento do cavalo sem precisar de nenhuma correção, seu P.R.I. está totalmente formado, basta agora melhorar o rendimento (abaixar mais “flexibilidade” e ficar por mais tempo na posição “força”). Tudo isso para alcançar o P.I.M. e atingir a meta que propus no começo do texto. Podemos dizer que ele aprendeu a postura do cavalo.
        Caso passe muito tempo, e o aluno não treine o que aprendeu, sua execução não estará muito comprometida, apenas seu rendimento, pois este está ligado com as capacidades físicas, e em pouco tempo ele pode voltar ao P.I.M.. O que dizer do andar de bicicleta? Quem aprende uma vez, já tem um P.R.I. formado, por isso consegue rapidamente executar sem muitos problemas.
        Da próxima vez que você for aprender um movimento, fique atento ao que foi falado nesse texto e faça o teste. Tente perceber quando foi que você adquiriu Padrão de Referência Interno e quando você executará segundo o Padrão Ideal de Movimento. Sabendo de tudo isso você já é capaz de responder o por quê você aprende primeiro as posturas básicas do que as coreografias de luta. Divirta-se...

Sandro Conte Febras

Referências:
·         PELLEGRINE, (2000)
·         MARTINS & IVANOV, (2009)
·         MAGILL, (2000)
·         FITS AND POSNER, (1967)
·         SCHMIDT, (1993)
·         FRANCO, (2002)

13 comentários:

  1. Sandro, sempre com ótimas colocações sobre a anatomia de nosso corpo, permitindo que possamos compreender cada etapa do aprendizado, não apenas 'imitando' o movimento do professor, mas compreendendo cada postura e o que ocorre na execução da mesma.
    Lembro que na minha primeira aula, eu sentia dores extremas nos pés.. parecia que estavam em carne viva e constante cãimbra... Vim de um histórico de obesidade mórbida, partindo de 147kg para 78kg, e esse período foi de estagnação e sedentarismo, então tive que mostrar ao meu corpo que era preciso superar a dor... Lembro que a Mari me falou na aula, que com o treino, aos poucos, as dores iriam sumir... Eu reclamava (a mim mesma) que não conseguia me abaixar no alongamento, mas os colegas de treino diziam para eu ser paciente, que aos poucos conseguiria... Que seria 1 dia de cada vez... Está sendo assim, melhorei bastante se comparado com as primeiras aulas... É realmente, um aprendizado e uma adaptação!

    Saudades de você! Infelizmente não tenho como ir treinar em Moema, mas não perco a inauguração oficial! Vou prestigiar a você e a linda Sayuri!

    Beijos
    Carla Mariano

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    1. Muito obrigado Carla, pode ter certeza que vc vai sentir que melhora a cada treino.
      Espero te ver na inauguração então

      Abraço

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  2. Sandro, sou novo de treino e, gostaria de saber se existe alguma dieta que eu possa fazer pra me ajudar a melhorar meu cavalo?

    Carla, suas histórias realmente me divertem muito.

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    1. Eita, minhas histórias o divertem? Hum... perdi o fio da meada e não entendi a piada kkkkk

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    2. Oi Augusto, não existe uma dieta específica pra te ajudar com habilidades específicas, como estudante de Educação Física e não Nutrição, por mais que eu saiba, não posso te recomendar dietas. Mas se estã a procura, o primeiro passo recomendado é procurar um nutricionista.

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  3. Ah desculpe, eu não sabia que vc não era nutricionista. Pensei que vc fosse devido ao post que vc uma vez escreveu sobre "leite" (http://tskfblog.blogspot.com/2010/11/leite-nosso-de-cada-dia.html) achei que aquilo fosse nutrição. Então como estudante de educação física vc poderia me dizer algum exercício para que eu melhorasse meu cavalo?

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    1. Augusto, vc é da TSKF?, pois se for, seus instrutores vão te ajudar no que for preciso...=]
      Caso não seja, vc deveria vir em uma de nossas filiais e fazer uma aula experimental.

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  4. Sandro
    Tudo bem?
    Tenho acompanhado as suas postagens nesse blog e algo dessa vez me chamou a atenção.
    Onde vc conseguiu a fonte do Fitts e Posner (1967) como material de consulta?
    Acreditava que esse livro não existia em nenhum acervo aberto por aqui, gostaria que me indicasse pois estou fazendo um trabalho e gostaria de usar esse livro.

    Obrigado
    Forte Abraço

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    1. Fernando, meus texto são baseados sempre em trabalho da minha faculdade, as fonte deste fazem parte do plano de aula do meu professor. Posso conversar com ele depois e disponibilizar esta fonte pra vc.

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  5. O Fernado realmente salientou um ponto bem interessante, eu sinceramente nunca tinha visto uma copia desse documento pra usar como material de consulta. Acredito que não existam muitos aqui no Brasil devido ao ano que foi escrito, não sabia que uma copia se encontrava no acervo da FMU. Sandro, achei legal o jeito que você tentou explicar a aprendizagem motora de uma maneira acessivel e meus parabens por usar um material de consuta tão bom pra dar base nos seus textos.
    forte abraço

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  6. Muito legal Sandro, você escreve muito bem, parabéns novamente!

    Atenciosamente,

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