"Existem lições que não podem ser ensinadas, mas devem ser aprendidas".
(Anônimo)
“Esvazie sua xícará” – (Parábola Japonesa)
Um dia um acadêmico procurou um mestre budista com o intuito de aprender os segredos de sua doutrina. O mestre ficou feliz em recebê-lo, no entanto, a cada vez que tentava lhe ensinar algo, o acadêmico lhe questionava com outras teorias a respeito do mesmo assunto. Depois de tentar ser ouvido algumas vezes, sem sucesso, o Mestre decidiu mudar sua abordagem e convidou-o para tomar chá.
Muito polidamente, o mestre serviu o acadêmico enchendo a sua xícara até que a mesma transbordou sem parar. O acadêmico irritado, perguntou ao mestre: - Por acaso, não percebeu que a xícara está completamente cheia e que já não cabe mais nenhuma gota?
O mestre então parou de derramar o chá sobre a xícara e disse calmamente: - Assim como esta xícara, o senhor está cheio de opiniões e conceitos pré-estabelecidos. Desta forma, como poderia entrar um novo ensinamento? Como poderei dar-lhe novas ideias e perspectivas, se você não tem espaço pra elas?
Em seguida, o mestre fez uma pausa por um breve momento e disse-lhe com olhar compreensivo, porém firme: - Se você realmente busca ter conhecimento constante, então tem que esvaziar sempre a sua xícara. O acadêmico olhou o mestre perplexo e só então percebeu a veracidade que havia naquelas sábias palavras.
Optei por iniciar esse texto por essa parábola para, antes de exaltar os predicados do silêncio, resgatar o significado do ouvir. Como diz Rubens Alves no seu texto Escutatória: - “Escutar é complicado e sutil”; e segue parafraseando o Alberto Caeiro: - "Não é o bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente pensa a respeito. Como se aquilo que o outro diz não fosse digno consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer.
“Se tuas palavras não forem mais belas que teu silêncio, cala-se” – (Sabedoria Sufi)
Inevitavelmente cometemos erros e erros de diversas naturezas. Ora por falar sem pensar; ora por se omitir de falar. E devemos estar constantemente vigilantes ao nosso comportamento para não tornarmos esses deslizes hábitos petrificados. No geral, somos alertados de nossos erros, para que possamos corrigi-los. Mas e se esse alerta não vem? Ou melhor, se ele não vem da maneira como esperamos? Convencionalmente como uma bronca ou orientação verbal?
Particularmente, acho que essas advertências são as piores.
O Shifu Danillo utiliza no Di Zi Gui a metáfora do ferreiro para se referir ao trabalho do Shifu na formação de seus alunos. O próprio Mestre Gabriel repetidas vezes diz forjar seus alunos a “fogo brando”. Se pudéssemos observar com cuidado um ferreiro em seu labor, perceberíamos que um dos processos do feitio da espada é escalda-la, ou seja, tirá-la do calor e submetê-la ao frio. O silêncio, o vazio e o frio parecem correlatos dos sentimentos que tentamos descrever quando existe a ausência de palavras.
A ansiedade de manter-se constantemente ocupado ou com os ouvidos ocupados é uma fuga de si mesmo. Proporcionar-se momentos de silêncio, aprendendo a ouvi-lo e entendendo o que ele esconde, dentro de si, é de fundamental importância, para o equilíbrio emocional e bom desenvolvimento das capacidades humanas.
Diversas vezes ouvi o Mestre Gabriel dizer que muito já foi dito e que agora, não cabia mais repetir certos ensinamentos. E, até com mais rigor, utilizar a parábola “não jogar pérolas aos porcos”, não no sentido de nos subestimar, mas para mostrar que, naquele momento, não estávamos ainda prontos para ouvir o que ele tinha a dizer; ou que não perderia mais tempo repassando sua sabedoria e fundamentos de utilidade plena àqueles que não querem ouvir, ou que mesmo ouvindo, não farão uso destes ensinamentos.
Nosso Mestre, Gabriel Amorim, construiu uma história de forma transparente e digna, para que todos aqueles que o escolheram como Mestre pudessem seguir os seus passos rumo a excelência e ao sucesso, não só no Kung Fu. O Kung Fu, na verdade, é a ferramenta que ele escolheu para auxiliá-lo no seu processo evolutivo, e que divide com tanto prazer conosco, afim de que possamos encontrar equilíbrio em todos os sentidos (lema que nossa escola ostenta com orgulho). O que quero enfatizar com isso é que o “seu exemplo” é o maior ensinamento que ele poderia nos dar. Basta ter olhos para ver a sua obra e nela se inspirar.
Podemos concluir até aqui que as palavras falam, mas o silêncio também. Existem silêncios muito expressivos. Falam alto, gritam forte nos ouvidos. Bons entendedores são capazes de compreendê-los, em seus plenos significados. Logo, dar provas de acolher alguém em seu silêncio é de um valor inestimável, denota empatia e humildade de quem se presta a apreender com todas as experiências que a vida lhe proporciona.
Ludmila Dantas
TSKF Itaim