sábado, 22 de setembro de 2012

Onde os fracos não têm vez


Hoje depois de trinta e dois anos praticando Kung Fu posso dizer seguramente que de todas as pessoas que começam a treinar apenas 0,001% continuarão treinando por mais  quinze ou vinte anos.

Nesses último dezesseis anos já se passaram pela TSKF mais de dez mil alunos e apenas um até agora se tornou um Sifu chegando ao quarto Tuan. Eu mesmo levei trinta anos pra me tornar um sétimo tuan e pode ser que leve mais uns vinte pra chegar ao décimo isso se não morrer antes.

Se por causa disso alguém me perguntar o que tem de errado com o Kung Fu eu direi que nada. Se alguém me perguntar o que tem de errado com essas pessoas que desistem eu direi que nada. É apenas uma estatística que se você analisar bem servirá pra qualquer outro tipo de atividade como, por exemplo; Judô, Karatê, Taekwondo, Dança, Yoga, Ginástica Olímpica, Musica etc., ou seja, qualquer tipo de atividade que exija disciplina, paciência, perseverança e um alto nível de esforço.

Claro que existe uma razão e uma explicação do porque isso ocorre, mas já faz muito tempo que parei de me aborrecer com isso, pois entendi que o mundo é perfeito e que nada acontece por acaso, tudo tem uma razão e um por que e o topo é um lugar onde os fracos não têm vez. O mundo não é feito somente de fracos, fortes, inteligentes, líderes ou seguidores. O mundo é feito de tudo isso e muito mais e é isso que é divertido, portanto, não tem nada de errado com o Kung Fu ou com as pessoas que desistem dele. Assim sendo, nossa luta não é para mudar o Kung Fu ou a essas pessoas que desistem dele e sim para despertar aquelas que já são fortes, mas estão adormecidas e redirecioná-las para o topo onde os fracos não têm vez.

Alguns de vocês podem estar pensando, esse cara é louco, eu não quero nada disso, já sou muito bem sucedido, já estou no topo, já cheguei lá, tenho tudo que quero, sou feliz e próspero, estou no Kung Fu apenas pra minha saúde e bem estar, então eu lhe direi, maravilha, esse texto realmente não é pra você, você nem mesmo precisa do Kung Fu já que saúde e bem estar você poderá conseguir de muitas outras maneiras, portanto, se você continuar a ler esse texto irá apenas se aborrecer. O que tem que ficar claro aqui é que o topo é um lugar onde os fracos não têm vez e quando estou falando de topo, não estou me referindo somente do topo no Kung Fu e sim do topo de qualquer área inclusive do topo do Monte Everest.



Você que treina Kung Fu não se engane, se você deseja permanecer no Kung Fu por muito tempo terá que enfrentar desafios enormes. Os desafios no Kung Fu ou em qualquer área que você deseje chegar ao topo serão cada vez maiores, não pense que vai ficar mais fácil não, pois o topo é um lugar onde os fracos não têm vez.

Se você se lembra, nos primeiros dias de treino doíam-lhe as pernas, os braços as costas, no meu caso eu desmaiei no primeiro dia de aula e no outro dia não conseguia nem levantar de tanta dor nas nádegas, isso mesmo, nas minhas nádegas, eu não conseguia nem sentar direito. Essas são dores físicas que passam logo, mas, mesmo assim muitos ficam pelo caminho por causa delas. Depois vem a dor de ter que enfrentar o primeiro exame de faixa. O medo que algumas pessoas têm de enfrentar o exame de faixa às vezes é tão grande que muitas delas desistem antes pra não ter que passar por esse processo, é o que na TSKF chamamos de síndrome do exame. Existe também a dor da reprovação que é quando o aluno reprova no exame e depois sente vergonha de continuar e não aparece mais para treinar com medo do que vão pensar dele. A dor da reprovação acontece em qualquer faixa, já tive até alunos que porque reprovou do primeiro para o segundo tuan da faixa preta desistiu e, é claro, inventou uma desculpa verdadeira e muito bem elaborada para explicar a razão da sua desistência. Isso quando não desiste e sai falando mal da escola ou do seu mestre.

Um dos piores tipos de dores que o aluno sente em nossa escola e o que mais causa desistência é a dor da adequação. O elemento não está acostumado com nossa rigidez disciplinar, ele pensa que está no seu colégio, na sua faculdade ou na sua casa onde ele pode chegar na hora que quiser e sair na hora que bem entender. Pensa que porque ele está pagando deixaremos ele entrar atrasado na aula ou treinar desuniformizado. Já tivemos até o caso de um aluno que chegou atrasado ao exame, não o deixamos entrar e ele disse que iria chamar a policia, nesse caso eu brinquei com ele e disse que mesmo que ele fosse Jesus Cristo e me mostrasse suas mãos furadas eu não o deixaria entrar.

Existe a dor do aluno antigo que é o seguinte; quando o aluno chega à faixa preta ou acima raramente ele tem companheiros na aula com quem possa treinar, então, ele fica perambulando pela sala de treino sem saber o que fazer. Fica com aquele olhar de carente lamentando e achando que temos que puxar o treino dele. Começa a cada vez menos vir aos treinos, acaba ficando fora de forma, sem ambiente e desiste. Esse é o aluno que acha que nós somos a sua muleta.

A dor da responsabilidade é outra dor bem comum aos alunos antigos, principalmente a aqueles que se tornaram instrutores ou professores. Esses sim praticamente estão sem muletas, alguns até resistem durante certo tempo nessa posição por causa do seu ego, mas, nessa situação cedo ou tarde sentem falta da sua vida leve e irresponsável, sentem falta de seus amiguinhos comuns e de estarem fazendo o que a maioria das pessoas comuns faz e é nesse momento que sucumbem à sua fraqueza e desistem. Não temos nada contra as pessoas comuns e não tem nada de errado com elas, apenas, o topo é um lugar para poucos onde os fracos não têm vez.

Finalmente existe a dor mais dolorida que existe que é a dor de estar chegando ao topo ou de estar no topo. No Kung Fu é quando você não tem mais mestre, sente falta de ter alguém puxando aulas pra você, sente falta de alguém cobrando a sua matéria, sente falta de estar fazendo aulas com seus companheiros, sente falta de ser aluno. Além disso, o topo é um lugar de onde todo mundo quer lhe derrubar, é o lugar onde muitos lhe caluniarão, onde muitos lhe trairão, onde você será invejado e também admirado, é o lugar onde você olha pra cima e percebe que não tem mais com quem reclamar é o lugar onde os fracos não têm vez e onde é preciso ser forte.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Wind of Change


Eu gosto de acreditar na frase: "Mudar é sempre bom". Deve soar estranho escutar isso de alguém que ensina Posturas Básicas há alguns anos. Cavalo é sempre Cavalo, Gato é sempre Gato e Arco e Flecha (ou Arco Splash, como dizia minha aluninha de 5 anos) é sempre Arco e Flecha (ou Arco Splash, se você tem 5 anos).

Mas ainda assim, digo que mudar é bom. Quando nos propomos a fazer coisas novas, nosso corpo e nosso cérebro são forçados a se adaptar aos novos estímulos, o que significa que teremos que ficar mais fortes/mais inteligentes para lidar com as novidades. Ganhamos uma nova percepção do mundo e, muitas vezes, no processo de mudança, percebemos oportunidades de evolução em nosso mundo interior.

Quando repetimos os mesmos processos indefinidamente, nosso cérebro fica acostumado com estes processos e não faz mais um esforço consciente para executá-los, quando "pegamos prática". Algumas pessoas, quando dirigem, podem experimentar isso, quando se dão conta de estarem em um determinado ponto do seu trajeto, mas não se recordam da parte anterior do trajeto.

Mulheres nos dão um bom exemplo sobre mudança. Mudam o cabelo, mudam as unhas, mudam os sapatos, mudam as roupas, mudam a maquiagem, mudam tudo de um dia para o outro!

"Mas não é bom manter algumas coisas como são, sem mudanças?" -perguntará o leitor. Ora, é claro que sim!

Virtudes devem se manter inabaláveis ao longo do tempo. Quem tem uma Determinação forte não deve jamais modificar essa característica, apenas aperfeiçoá-la. Aí pergunto de volta ao leitor: aperfeiçoar não é também uma mudança? =)

Acredito que um dos motivos que favoreceu a minha mudança aqui para BH foi manter minha crença na frase "Mudar é sempre bom". Novas pessoas, novo sotaque, novos produtos no supermercado (tem waffle aqui!), enfim: um novo Brasil dentro do Brasil para conhecer e explorar.

Tenho que confessar que, durante o planejamento da academia, pensei em mudanças também no processo de condução da escola. Alguns novos formatos, uma abordagem um pouco diferente. Mas aí eu lembrei que começar uma coisa do zero era uma mudança grande para mim, mas não para outra pessoa antes de mim.

O Mestre Gabriel já havia feito tudo o que fiz, faço e vou fazer aqui em BH, mas o fez em São Paulo. E isso ajuda muito a saber o "caminho das pedras". Sempre que tenho uma dúvida, recorro à "receita de bolo" realizada antes pelo Mestre Gabriel e, invariavelmente, encontro boas respostas.

Claro que nem tudo ficará igual, preciso adaptar algumas coisas à tecnologia atual, ao mercado atual e até
mesmo o perfil do mineiro (tem gente de fora de BH que treina aqui, por isso usei mineiro e não belo
horizontino), mas tenho à disposição um "norte" claro, ao revistar o que ele já construiu.

E, como não ficará tudo igual, não é, mais uma vez, uma mudança?

Para fechar, a música que dá origem ao nome do post: